Violino esquecido
Perto de minha casa há um velho musico que resiste. Corre a
rua com o violino, vibrando as cordas que já esqueceram todas as modinhas.
Atravesso Cedofeita e se levanto os olhos da calçada lá está
ele. De fato negro, caixa de violino às costas, violino no ombro, tocando
coisas que esqueceu. Dois ou três compassos e remata. Percebemos que ali houve
alguma música, como nos dias em que o fato era menos coçado e os olhos menos
cansados. Dias de grandes trocados, copos pagos pelos amigos – imagino eu – e músicas
completas. Hoje passeia como quem aquece as cordas, em acordes dispersos,
retalhos de “solidós”, cançonetas e coisas simples.
Quando era pequeno a minha avós punha-me fita-cola nas
orelhas. No seu cuidado, as minhas orelhas, de tão grandes, poderiam
deformar-se ao dormir e abrir em leque. Colava-as à cabeça para que assim se mantivessem
pelo tempo fora. Hoje tenho orelhas que não despertam atenção nem risos. Este
musico não. Ninguém lhe cuidou das orelhas durante o sono. Terá alguém cuidado
do seu sono? Cresceu com duas abas redondas de cada lado da cara, e nem essa
posição dedicada das orelhas ajuda na música.
Os turistas passam e não deixam nada. Olham, ouvem alguns
acordes, nada de muito estruturado ou reconhecível e avançam.
E o velho violino por ali anda. Carregado no ombro, com duas
orelhas por publico e tão esquecido das notas. Um dia todos nos esqueceremos de
tudo, dos sons, dos nomes, dos lugares e dos queridos. Nesse dia não quero
andar na rua. (Talvez no fim da tarde calma me recorde das mãos da minha avó,
acariciando as orelhas até à posição correta, colando-as, embalando-me).
Sem comentários:
Enviar um comentário